51. Conto de Quinta À Noite (1o capítulo de 2)

Ela saiu do bar sozinha, dirigindo, um pouco alta por causa dos chopps tomados. Era quinta-feira e aproveitou a ausência do marido, em viagem a trabalho, para botar a conversa em dia com sua mais nova amiga-vizinha. Não costumava beber e dirigir, mas tinham marcado num bar tão perto de casa que se permitiu passar um pouco do seu limite. Nada que lhe impedisse de chegar em casa em segurança. Há apenas 5 meses estava morando naquele bairro residencial de casas, que um dia fora um loteamento de veraneio, e que agora se tornara um piorado exemplar brasileiro dos subúrbios de classe média americanos. No breve caminho para casa seu celular tocou e a amiga com quem estava quis logo saber se ela estava bem e sem problemas para dirigir. Ela respondeu que sim, lembraram uma das histórias que as fizeram gargalhar no bar, o que provocou novas gargalhadas ao telefone e em seguida ela pediu para desligar pois estava chegando em casa e iria abrir o portão. Ao tirar o celular do ouvido para apertar o botão para finalizar a ligação, o aparelho escapuliu de sua mão caindo numa fresta entre a porta e o banco do motorista. Tentou abaixar passando a mão no local, mas não encontrou... Chovia muito. Decidiu procurar o celular depois e, diferentemente do de costume, embicou o carro para a entrada do portão ao invés de mantê-lo paralelo ao meio fio até que o portão se abrisse completamente – estratégia adotada para uma eventual necessidade de fuga rápida no caso de um risco iminente. Acionou o controle do portão eletrônico e nada. Uma, duas, três vezes e não abriu. Só aí se deu conta que todo seu quarteirão estava às escuras. O efeito dos chopps somado à conversa descontraída ao celular lhe distraíram a ponto de não reparar que a rua estava sem luz. Deu um suspiro de preocupação, olhou ao redor e decidiu que entraria pelo portão manual de pedestres, deixando o carro ali mesmo fora de casa para na manhã seguinte coloca-lo pra dentro. Enquanto o dilúvio caía, ela pegou a bolsa, botou no colo e passou a procurar a chave do portão pequeno. Chicletes, canetas, carteira, cupons fiscais, comprovantes de compras de cartão de crédito se amontoavam na bolsa impedindo que achasse a chave com a brevidade que se exigia nos tempos violentos atuais. Começou a ficar nervosa vasculhando a bolsa de forma atabalhoada até que seus dedos esbarraram no objeto metálico procurado. Aliviada, pegou a chave, desligou o carro, carregou a bolsa e se dirigiu para o portão pequeno. Nesse momento olhou ao redor para se certificar que a rua estava deserta: do lado esquerdo, até a esquina próxima não conseguia ver nada além do carro do vizinho estacionado a uns 50 metros. Do lado direito, cuja esquina ficava um pouco mais distante observou as árvores, a entrada de uma outra rua que dava acesso à praia e não viu nada suspeito, até que... Não entendeu direito o que viu: bem longe, no início de uma rua perpendicular à rua em que estava, pareceu ter visto um vulto. Seu coração disparou e ela então correu para abrir o portão pequeno. Com a chuva forte caindo, ao enfiar a chave na fechadura, derrubou-a no chão molhado...

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