A SEPARAÇÃO (3o Capítulo de 5)
1.
O celular tocou e ele já franziu a testa impaciente ao ver o número da esposa no visor. “Oi, ainda vai demorar?”. “Estou trabalhando, daqui a pouco vou embora. Alguma coisa?” “Não... Aliás, sim... Queria saber que horas você virá, porque quero conversar uma coisa com você”. “Algum problema com alguém da família?” “Ah, não, está tudo ótimo com todos. Precisamos conversar sobre a gente”. “Puta que pariu, uma DR para fechar um dia corrido era tudo que precisava... Daqui a pouco estou indo”. “Tchau”. Ele perdeu o ânimo para trabalhar. O telefonema da esposa dizendo que queria conversar tinha acabado com o resto de noite dele. Não tinha mais saco para aquelas DRs intermináveis que não levavam a nada. “Onde você está? O que está fazendo? Você só faz trabalhar! Não para mais em casa! Vai demorar?” Saco! Toda liberdade que tinha durante o namoro tinha acabado com o casamento. Até passou o primeiro ano procurando ser o marido perfeito, só indo do trabalho para casa de casa para o trabalho. Sua vida era empresa e família. Mas a rotina tediosa chegou ao limite e nos dois últimos anos vinha priorizando sua felicidade. Futebol, terças e sábados, academia sempre que dava e clube do pôquer todas as quintas com os amigos. Sem contar as saídas quando rolava uma viagem de trabalho. Como ainda não tinham filhos, se sentia um pouco mais livre para fazer as coisas que mais gostava, que coincidentemente eram sem a presença de sua mulher. A namorada divertida e bem humorada há muito tinha deixado de ser uma boa companheira. Cobranças, cobranças e cobranças. A mulher pela qual se apaixonou tinha se transformado numa mãe 10 anos mais velha do que ele... Desligou o computador, colocou alguns documentos na gaveta e partiu para casa. Sair do trabalho mais tarde tinha a vantagem de pegar o trânsito um pouco mais tranquilo, chegando mais rapidamente. O que não era uma grande vantagem naquela noite. Ao subir o elevador, já estava irritado e pretendia ser objetivo e não deixar aquela conversa se estender demais. Estava puto por não poder ir à academia. Abriu a porta, encontrou sua esposa sentada no sofá e não resistiu ao tom irônico: “o que foi dessa vez, deixei a cueca no chão ou a tampa do vaso levantada?” Ela suspirou com paciência e simplesmente disse: “eu estou indo embora.”
2.
Aquela frase o pegou de surpresa. - “Como é que é? Indo embora? Como assim, indo embora?” Ela respirou fundo e disse: - “Fala sério, ainda preciso explicar?”. Ele replicou: - “não estou entendendo... você está dizendo que está se separando de mim, é isso? Assim, do nada, de repente?” - “De repente? Vamos ser sinceros... O que é que estamos fazendo juntos? Há muito tempo que não somos um casal... Somos duas pessoas estranhas que dividem um apartamento com uma foto de casamento plotada na parede do quarto. E duas pessoas que estão cada vez menos tolerando a companhia um do outro. Você pergunta porque separar... E se fizermos a pergunta inversa: Porque estamos juntos? Qual seria a resposta para essa pergunta?”. O pior é que ela tinha razão. Há muito tempo não viviam como um casal. Há muito tempo eram dois estranhos que depois de uma fase de brigas frequentes, simplesmente se ignoravam. Tinham mais motivos para não ficarem juntos, do que para ficarem, realmente. Mas não podia negar que a tomada de decisão por parte dela, o tinha surpreendido. E atingido seu orgulho, sua vaidade. Por pior que a relação estivesse e mesmo já tendo pensado na possibilidade da separação, imaginava que aquele dilema e a eventual decisão seriam exclusivamente dele. Sentia-se seguro que sua esposa não teria coragem ou até mesmo a audácia de escolher o término. Sim, a audácia. Afinal, era uma mulher de 34 anos... E no fim das contas ele era um “ótimo partido”. Bonito, inteligente, bem sucedido profissionalmente. Não que fosse rico, mas estava num momento sólido da carreira com remuneração acima da média dos colegas de sua idade e com possibilidades palpáveis de crescimento. Vivia em plenas condições de sustentar sua família. E não era isso que as mulheres mais desejavam? Segurança e estabilidade para cuidarem de sua família? Não passava pela sua cabeça que ela tivesse a iniciativa de abandonar tudo isso. Ainda mais quando a realidade para mulheres de sua idade não andava muito favorável no quesito “relacionamento”. Conhecia dezenas de amigas dela solteiras que se queixavam que não haviam mais homens que valessem a pena no “mercado” e que quem tivesse o “seu” era melhor “segurar.” Mas ela tinha tomado a decisão. Ela estava escolhendo a incerteza do mundo “lá fora” em detrimento do relacionamento com ele. E para isso, ele não estava preparado.
3.
Os
primeiros dias foram de negação. Disse para ela (e para si mesmo) que aquilo
seria uma crise passageira, e que seria bom darem um tempo um do outro (apesar
de ela deixar claro que aquilo não era um “tempo”). Não contou para ninguém,
intensificou o tempo que gastava na academia e jogando vídeo game. Seu orgulho
o fazia acreditar que ela sentiria sua falta e que partiria dela a iniciativa
da reconciliação. O primeiro fim de semana foi de paz. Convenceu-se que
precisava de um momento sozinho para “se curtir”. Abusou dos programas de
esporte na tv, da pornografia na internet e de alimentos gordurosos. Sim, como
era bom dar um tempo da alimentação natureba que sua mulher adotara em casa.
Delivery de pizza, comida chinesa e até churrasco invadiram seu
apartamento. Preferiu se resguardar sem aparecer
em lugares públicos para evitar perguntas constrangedoras que demandariam
mentiras desconcertantes. Os dias foram passando e a esperada sinalização de
vulnerabilidade emocional por parte dela não aconteceu. Passou a se
dedicar mais intensamente às atividades que já praticava durante a semana.
Arrumou mais um futebol às quartas, ia à academia todos os dias fazendo todas
as aulas possíveis, como boxe, muay thai e até spinning. Trabalhava feito um
louco. A angústia com a separação o tinha levado a ocupar o dia e a mente o
máximo possível. Fazia refeições rápidas na rua entre as atividades e só
chegava em casa exausto, basicamente para tomar banho e dormir. Depois de duas
semanas resolveu aproveitar a solteirice. Permitiu-se ir a uma boate da moda
com um dos últimos amigos ainda solteiro, flertou à vontade, e ao encontrar uma
antiga ficante não hesitou em dormir na casa dela. Talvez não fosse tão mal
assim se divorciar. Apesar de nunca ter sido um marido fiel, era um alívio
poder ficar com uma mulher sem tanto medo de ser apanhado. As semanas foram
passando e ele começou a gostar da noite novamente. Saía quase todo dia da
semana. Evitava lugares onde encontraria amigos e o círculo social de sua
esposa para não se expor, mas já se sentia à vontade para beijar e ficar
publicamente. As farras foram aumentando e a possibilidade de realizar
fantasias e orgias que na época de adolescência eram tão somente isso –
fantasias – o entusiasmava cada vez mais. Mas mesmo divertindo-se tanto, sentia
que havia algo de errado com ele.
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