A PRISÃO (último capítulo)
Capítulo 1
Era
um domingo, onze horas da noite e Fernanda decidiu se recolher. Com o casal de
filhos desfrutando do sono já há uma hora, ela, que era acostumada a dormir
cedo, tinha chegado no horário limite para que pudesse acordar às sete bem
disposta. Como era habitual, ela iria se deitar sozinha naquele finalzinho de
fim de semana. Cristiano era notívago desde que se conheceram e ainda estava a
toda naquele momento, trabalhando no seu notebook sem nem pensar em ir para
cama. Essa sempre foi uma luta dela: insistir para que fossem dormir juntos no
mesmo instante. Apesar de frequentemente conseguir seu intento, no último mês
tinha desistido de insistir. Cristiano estava particularmente estressado e
preocupado com o trabalho e não queria dividir com ela os motivos de sua
inquietação. O que lhe causava certo estranhamento, pois depois de passarem por
alguns momento difíceis, nos últimos dois anos estavam tirando proveito dos
frutos que o sucesso profissional do marido vinha lhes proporcionando. Um belo
apartamento, uma recém construída casa de praia num dos loteamentos mais
valorizados do litoral norte e a tranquilidade de quem sabe que as contas não
estarão no vermelho ao final do mês.
Fernanda
estava dormindo deliciosamente bem, quando acordou de súbito, assustada com o
barulho que vinha da sala. Olhou o celular que apontava que eram cinco horas da
manhã e balançou Cristiano, que estava dormindo ao seu lado, para que ele despertasse.
A campainha tocava insistentemente e podia se ouvir batidas na porta.
Levantaram-se assustados e foram juntos ver o que estava acontecendo. Com
cautela Cristiano olhou pelo olho mágico e viu diversos homens vestidos de
preto do lado de fora do apartamento. Um deles mostrava um pedaço de papel e falou:
- “Polícia Federal! Abram agora ou iremos entrar à força. Agora!” – “Polícia
federal?” estranhou Fernanda. Cristiano não sabia o que fazer e hesitou para
abrir a porta. Nesse instante ouviram um estrondo e a porta foi arrombada.
Cerca de 6 homens vestidos de preto com armas em punho invadiram o apartamento
ordenando para seu marido: - “Sr. Cristiano, temos em mãos um mandado de prisão,
busca e apreensão. Você poderá trocar de roupa acompanhado de um dos agentes, não poderá
tocar em nada e nos acompanhará até a sede da polícia federal. Alguns agentes
ficarão em sua casa apreendendo computadores, cofres e documentos. O senhor está
preso!”
Capítulo 2
3 anos atrás
Capítulo 2
3 anos atrás
Cristiano
estava vivendo um inferno no trabalho. Formado em publicidade, tinha alcançado
o posto de diretor de redação de uma agência mediana de Salvador. Ganhava um
salário razoável, mas estava quase no topo de onde poderia chegar naquela
empresa, já que acima dele, só estavam os diretores de criação e comercial e os
donos da agência. E era com os donos da agência que vinha tendo problemas.
Cristiano não concordava com a linha de comunicação que a empresa tinha adotado
recentemente. Ambicionando o crescimento da agência, os sócios queriam investir
cada vez mais num tipo de publicidade mais apelativo, escrachado e vulgar, que
não agradava nem um pouco o jovem diretor de redação. Cristiano acreditava que
as campanhas deveriam ser diretas, objetivas demonstrando, sem muita
firula, o que o anunciante tinha de
melhor e o que o diferenciava da concorrência. Ele adorava se dedicar para
entender com profundidade os pontos fortes dos seus clientes para, em cima
desse diagnóstico, traçar uma linha de comunicação limpa e certeira. Porém,
suas criações estavam enfrentando grande resistência dos proprietários que
queriam propagandas com alto grau de produção, que focassem mais no lado
emocional do público, através de textos engraçados ou comoventes; algo que
Cristiano odiava fazer.
Foi
dentro desse cenário, que ele então decidiu sair da agência e abrir seu próprio
negócio. Para a esposa, foi mais fácil vender a ideia de que chegara no máximo
que aquela empresa poderia lhe proporcionar e que sendo dono de sua própria
agência ele poderia enfim alcançar o sucesso financeiro tão almejado e que eles
até então não tinham conseguido encontrar. Mas o fato é que Cristiano tinha
dificuldade de se motivar quando as coisas saíam dos limites do que acreditava.
E assim, ele partiu para montar sua própria agência, contando com o apoio de
Fernanda que, admiradora do talento do marido e levada pelo seu entusiasmo,
acreditou genuinamente que aquele seria o passo certo para crescerem
financeiramente tendo uma vida mais tranquila e menos regrada materialmente.
Mas as coisas não saíram como eles estavam esperando.
Capítulo 3
Os
primeiros meses como dono de sua própria agência foram de euforia. Com as
contas da família garantidas pelo dinheiro recebido na rescisão com a antiga
empresa, os primeiros clientes foram celebrados com entusiasmo já que não havia
um alto custo de investimento para começar o negócio. No início, parecia claro
que tinha tomado a melhor decisão, já que trabalharia da forma que queria,
realizando-se a cada campanha e ainda com um horizonte de crescimento
financeiro mais promissor como beneficiário final do dinheiro gerado pelo seu
esforço. O ótimo cenário repercutia em casa: a excitação pelos novos rumos
parecia fazer muito bem a Fernanda, que ostentava com orgulho a subida de
status de mulher de um empregado talentoso,
para empresário proprietário de agência de publicidade. Mas com o passar
do tempo, essa sensação começou a mudar. O talento de Cristiano para a criação
publicitária era diretamente proporcional à sua inadequação com as gestões
financeira e comercial. Sem cabeça para gerir lados tão díspares de um mesmo
empreendimento, começou a contratar profissionais para o trabalho
administrativo, a fim de que estivesse com a mente livre para a criação – o que
ia acarretando mais custos para a empresa. A clientela não era exatamente
escassa, mas a instabilidade na geração de renda começou a atingir a saúde
financeira da agência. Ainda mais quando a grana de sua reserva pessoal acabou
e ele passou a necessitar da receita da firma para bancar as despesas
familiares. Até que tentou segurar a barra sozinho sem dar ciência à esposa de
suas dificuldades. Primeiro pegou financiamentos para a pessoa jurídica, depois
passou para os empréstimos pessoais enquanto a situação não revertia, até que
foi obrigado a cortar despesas individuais discretamente: não se presenteava
mais com roupas e sapatos, saiu da academia sob o argumento da falta de tempo,
evitava almoçar em restaurantes caros (só quando tinha que fingir aparências
para um novo cliente em potencial), e trocou o bom carro que tinha por um
modelo mais popular. Porém, não admitia compartilhar o momento com Fernanda,
que de nada desconfiava. Ele simplesmente não suportava a hipótese de que ela
deixasse de vê-lo como um homem bem sucedido profissionalmente. Preferia a
imagem de que estava passando por uma fase de desapego material, já que era uma
pessoa do mundo dos ideias e não de bens... Mas a realidade uma hora se impõe e
a bola de neve que crescia cada vez mais finalmente estourou. E de uma forma
particularmente dolorosa. Após participar de uma reunião cotidiana na escola
dos filhos, Fernanda quis aproveitar que já estava ali, para passar no setor
financeiro para saber sobre o pagamento de um passeio que um dos filhos faria
na semana seguinte. Ao ser informada que
as mensalidades das crianças não vinham sendo pagas há cinco meses, seu mundo
de fantasia esfarelou em sua frente. E a harmonia do casal começou a ruir.
Capítulo 4
Fernanda
cobrou fortemente de Cristiano porque ele teria deixado a situação chegar até
aquele ponto sem dividir com ela suas preocupações. Ela poderia ajudar! Ele tinha
que compartilhar a situação, afinal eles eram parceiros, dividiam uma vida!
Cristiano pediu desculpas e disse que não queria preocupa-la porque tinha
convicção de que iria reverter a situação. Mas os dois no fundo sabiam que não
estavam sendo cem por cento verdadeiros. Fernanda se sentia dividida. Se por um
lado acreditava no seu discurso de ter ficado chateada com a falta de confiança
e cumplicidade de Cristiano, por outro estranhou a si mesma ao perceber que era
mais confortável viver alheia a toda aquela pressão e estresse, chegando até a amaldiçoar
a sua ida ao setor financeiro para conhecer a verdade. Já Cristiano tinha plena
consciência de que não queria poupar a esposa de preocupações. Não a poupava de
outras situações... O que pretendia mesmo era esconder a imagem de fracasso
profissional. Primeiro porque achava que era seu papel de homem da relação
prover as necessidades materiais da casa. Segundo, porque a agência própria era
um sonho seu e não queria admitir que a ideia não vinha dando certo. No fundo,
no fundo, sabia que o que o motivou a esconder a verdade foi a vaidade.
***
As
brigas então se tornaram frequentes. Fernanda dizia que apoiaria seu marido mas
suas palavras não se refletiam nas suas ações. Seu humor mudou diante das
privações e embora tentasse disfarçar, não estava nem um pouco confortável com
a situação. No fundo, culpava a personalidade de Cristiano, criativa, mas
aérea, talentosa, mas ineficaz, pelas dificuldades que estavam vivendo.
***
O
tempo foi passando e o buraco financeiro de Cristiano só aumentava, assim como
os desentendimentos, pelas mais variadas razões, com Fernanda. Já fazia um ano
que havia deixado o trabalho para aventurar-se em sua agência. Ainda apaixonado
por Fernanda, Cristiano morria de medo de perde-la, mas a separação parecia uma
questão de tempo. Foi quando recebeu um telefonema de um velho amigo. Carlos
Antônio, o Cal, havia sido um grande colega nos tempos de colégio e, apesar de
certo distanciamento nos últimos anos, mantiveram uma relação amistosa se
encontrando em eventos de amigos em comum e trocando felicitações em
aniversários e nos finais de ano. Cal o chamou para almoçarem num tradicional
restaurante da cidade. Não quis adiantar o assunto por telefone, mas disse ser
importante. Era um dia de semana normal, portanto o restaurante não estava
muito cheio. Cristiano sabia que Cal tinha sido nomeado Secretário de
Comunicação do Munícipio e esperava que o encontro tivesse algo a ver com o
fato de ter uma agência de publicidade. Imaginou que poderia ser contratado para
uma pequena campanha educativa por parte da prefeitura. Mas era mais que isso.
Muito mais. – “Cristiano, nós da Secretaria de Comunicação queremos que sua
empresa passe a ser a agência de comunicação oficial da prefeitura. Precisamos
de alguém com competência, uma linha de comunicação clara, objetiva e,
sobretudo, que seja de extrema confiança. Seu perfil é perfeito. Sua agência assumiria
todas as campanhas de comunicação da prefeitura. É um contrato muito bom.
Durante quatro anos - e mais quatro depois se Deus quiser! – você não precisará
se preocupar muito com dinheiro”. E soltou um sorriso malicioso.
Cristiano viu no semblante de sua esposa inveja,
admiração, e desejo. Inveja por uma vida que não era dela; admiração por um
homem que não era ele; desejo de pertencer a uma família que não era a sua.
Pegou o telefone e ligou para Cal.
Capítulo
5
Cristiano
sabia o que aquilo significava. Apesar da estima que tinha pelo amigo Cal,
tinha noção de como funcionava o sistema político do país. As poucas vezes que foi
contratado para pequenas ações de comunicação por órgãos públicos, no mínimo,
teve que emitir uma nota fiscal com valor diverso do cobrado efetivamente pelo
serviço. Sabia que em muitos governos, dos mais variados partidos, as verbas de
publicidade serviam como caixa dois do poder executivo. Verbas de comunicação
era mais fáceis de fugir da fiscalização pois, entre outras coisas, não se pode
mensurar o valor de uma grande ideia através de uma tabela ou pesquisa de mercado.
E agora estava sendo convidado para ser o braço da comunicação da prefeitura do
seu município. Por mais que quisesse acreditar que poderia se concentrar no
trabalho de criação, e que tentasse enxergar uma importância nobre ao seu
trabalho, por ser um serviço a ser prestado a toda coletividade, não tinha mais
idade para ser ingênuo a esse ponto. Teria que sujar as mãos. Mas por mais que
sua situação financeira estivesse desastrosa e aquele convite representasse sua
salvação material, sua alma lhe pedia para não aceitar. Educadamente, pediu um
tempo para pensar sob o argumento de que uma decisão daquela, deveria ter aval
da família. Mas estava decidido. Não iria aceitar.
***
Cristiano
não tinha a intenção de dividir aquela decisão com a esposa. Apesar de imaginar
ter casado com uma mulher com identidade de valores, tinha medo do que poderia
ouvir dela caso colocasse em debate aquela proposta. Cada vez menos reconhecia
a Fernanda que conhecera naquela mulher que estava ao seu lado. Com a
decadência nas finanças, sentia que o olhar de sua esposa para ele tinha mudado
sensivelmente. Não via admiração e respeito. Ela o tratava mal a maior parte do
tempo, contestava todas suas opiniões nas mínimas coisas, e, apesar de
mencionar apoio e parceria da boca pra fora, no fundo gostava de deixar claro
sua insatisfação com as limitações materiais no dia a dia. Ele chegou em casa e
ao se dirigir à sua esposa, só encontrou desprezo. Perguntou como havia sido
seu dia, e ela contou que tinha recebido a visita de sua amiga, Michele. Michele
acabara de chegar da viagem que fez aos Estados Unidos, com o marido. Diversão
em Nova York, compras em Miami. Havia feito o enxoval do filho que iria nascer
lá. O terceiro! Eles podiam... Usava um anel de brilhantes lindo que ganhou no
aniversário de casamento comemorado no restaurante do momento da Big Apple. – “Também
né, Eduardo era foda, um leão para ganhar dinheiro. Estava abrindo mais uma
filial no nordeste. Ai, ai... “
Mais uma vez, muito bom!!!
ResponderExcluirThanks!
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