O CASAL (último capítulo)
Capítulo 1
Vânia chegou à chácara do casal de idosos no
horário costumeiro, às 8 da manhã. Auxiliar de enfermagem, há um mês tinha sido
contratada para ajudar nos cuidados médicos de D. Rosalva, senhora de 91 anos
que sofria há 2 anos de uma doença degenerativa comum aos idosos. Seu marido,
Seu Arthur, de 93 anos, não tinha mais condições físicas de amparar a esposa em
suas necessidades cada vez mais complexas, diante do agravamento do quadro
clínico da doença. O casal vivia há cerca de 20 anos naquela chácara localizada
na área metropolitana de Salvador. Aposentados, usufruindo ainda da renda dos
aluguéis de alguns imóveis administrados pelo filho mais velho, Seu Arthur e D.
Rosalva haviam renunciado à loucura urbana para se dedicarem a uma vida mais
pacata, cercada de natureza e tranquilidade. Não estavam exatamente isolados do
mundo: a chácara ficava a apenas 10 minutos de carro do centro da cidade mais
próxima e a 1 hora da capital. Assim, não estavam muito distantes de médicos e
hospitais e eram visitados quinzenalmente em média pelo primogênito residente
em Salvador e mais ou menos 5 vezes por ano pela caçula que morava no Rio de
Janeiro. No dia a dia, eram auxiliados pelo
caseiro, Alcides, uma espécie de faz-tudo que fazia as vezes de empregado
doméstico, office boy e companheiro de algumas atividades de lazer como
caminhadas e pescaria. Vânia passou pelo portão de madeira e seguiu pelo
caminho de pedras de cerca de 50 metros que ligava o portão à casa propriamente
dita. Encontrou a porta principal aberta, deu duas pequenas batidinhas para
anunciar sua chegada e foi entrando com certa cautela. Não havia ninguém na
sala e estranhou a falta de movimentação na cozinha onde costumeiramente
encontrava Alcides fazendo alguma tarefa doméstica àquela hora. Falou um “olá”
tímido, parou no meio da sala e ficou sem saber o que fazer. Não lembrava de
ter visto a casa tão silenciosa desde que começara a trabalhar ali. Decidiu adentrar pelo corredor chamando o nome
das três pessoas que deveria encontrar. –“Alcides! Seu Arthur! D. Rosalva!”.
Nada. Mil coisas passavam na sua cabeça. Das mais otimistas, como “será que
saíram cedo para passear?” às mais preocupantes, como “será que D. Rosalva
piorou e foi levada ao hospital e não houve tempo hábil para lhe avisarem?”
Conferiu o celular e não havia mensagens ou chamadas perdidas. Prosseguiu pelo
corredor até a porta de entrada do quarto do casal que estava entreaberta. Chamou
novamente o nome dos dois e resolveu entrar para presenciar a cena mais
assustadora que já tinha visto em toda sua vida: os corpos do casal de idosos
entrelaçados, ensanguentados e inertes em cima da cama.
Capítulo 2
O delegado do município chegou à casa cerca de 3 horas depois de Vânia ter encontrado os corpos. Querendo mostrar serviço, já que era recém formado e aquele seria seu mais importante caso até então, foi logo isolando a casa já povoada de curiosos. No quarto do casal de idosos foi encontrada a provável arma do crime, um revólver 38 simples com duas balas no tambor, sendo que já se sabia pelos policiais que chegaram antes, que 4 tiros foram disparados, dois para cada uma das vítimas. A forma como a arma fora encontrada no chão, longe da cama, além da ausência de sinais de pólvora nas mãos dos corpos, descartavam qualquer hipótese de assassinato seguido de suicídio, de acordo com as aulas de medicina legal, ainda frescas na sua cabeça de bacharel recente. O que deixava claro que foram mortos por uma terceira pessoa. E diante desse quadro, a ausência de uma certa terceira pessoa das imediações do local do crime desde as primeiras horas da manhã intrigava e levantava suspeitas óbvias: onde estava o caseiro Alcides?
O delegado do município chegou à casa cerca de 3 horas depois de Vânia ter encontrado os corpos. Querendo mostrar serviço, já que era recém formado e aquele seria seu mais importante caso até então, foi logo isolando a casa já povoada de curiosos. No quarto do casal de idosos foi encontrada a provável arma do crime, um revólver 38 simples com duas balas no tambor, sendo que já se sabia pelos policiais que chegaram antes, que 4 tiros foram disparados, dois para cada uma das vítimas. A forma como a arma fora encontrada no chão, longe da cama, além da ausência de sinais de pólvora nas mãos dos corpos, descartavam qualquer hipótese de assassinato seguido de suicídio, de acordo com as aulas de medicina legal, ainda frescas na sua cabeça de bacharel recente. O que deixava claro que foram mortos por uma terceira pessoa. E diante desse quadro, a ausência de uma certa terceira pessoa das imediações do local do crime desde as primeiras horas da manhã intrigava e levantava suspeitas óbvias: onde estava o caseiro Alcides?
***
Alcides trabalhava há mais de 20 anos com o casal, sendo o primeiro empregado que tiveram na chácara. Ainda com 18 anos fora indicado para Seu Arthur por um conhecido da região e de lá não mais saiu. Prestativo e dedicado, o caseiro vinha se mostrando um funcionário leal por todos aqueles anos. Não que não tivessem algumas brigas. A maioria, relativa a questões banais do cotidiano do trabalho, era facilmente dirimida. Mas vinham tendo problema mesmo era com a exigência de seu Arthur de que Alcides tinha que morar numa casinha construída especificamente para ele no terreno da propriedade, sem poder levar mulher alguma. Nos primeiros anos o caseiro tirava essa imposição de letra. Jovem e solteiro, gostava de morar sozinho e independente na casinha, levando vez por outra uma ficante para passar a noite com ele escondida. Mas agora, aos 42 já estava de saco cheio daquela situação, pois queria casar e ter filhos com Dora, sua namorada há quase três anos.
Alcides trabalhava há mais de 20 anos com o casal, sendo o primeiro empregado que tiveram na chácara. Ainda com 18 anos fora indicado para Seu Arthur por um conhecido da região e de lá não mais saiu. Prestativo e dedicado, o caseiro vinha se mostrando um funcionário leal por todos aqueles anos. Não que não tivessem algumas brigas. A maioria, relativa a questões banais do cotidiano do trabalho, era facilmente dirimida. Mas vinham tendo problema mesmo era com a exigência de seu Arthur de que Alcides tinha que morar numa casinha construída especificamente para ele no terreno da propriedade, sem poder levar mulher alguma. Nos primeiros anos o caseiro tirava essa imposição de letra. Jovem e solteiro, gostava de morar sozinho e independente na casinha, levando vez por outra uma ficante para passar a noite com ele escondida. Mas agora, aos 42 já estava de saco cheio daquela situação, pois queria casar e ter filhos com Dora, sua namorada há quase três anos.
Capítulo 3
A constatação mais do óbvia do delegado e dos
policiais que o acompanhavam foi que não havia sinais de arrombamento. Sentindo-se
o próprio protagonista de uma série de investigação americana, a autoridade
policial foi conferir a casinha onde o caseiro morava dentro do terreno da
chácara. A princípio, não notou nada de estranho, mas uma olhada mais atenta no
guarda-roupa demonstrou que tinham poucas roupas limpas no cômodo. Poderia ser
que parte das roupas estivessem na casa da namorada ou simplesmente que ele tivesse
um armário com poucas opções. Mas talvez fosse um indício claro de que Alcides fugira.
Ato contínuo, o delegado então partiu para a casa da namorada do caseiro.
Apesar de achar muito estranho o desaparecimento do empregado das imediações
até então, não descartava que ele pudesse ter encontrado os corpos e corrido em
choque, assustado com a cena de terror que encontrara. Ao chegar à casa de
Dora, o delegado foi surpreendido com os pais da menina partindo ao seu
encontro e dizendo freneticamente: “ela não tem nada com isso... ela não tem
nada com isso... ele fez tudo sozinho!”. Pediu para falar com a moça.
***
Dora apareceu na sala com um semblante consternado
de quem já tinha chorado muito. Foi só o delegado perguntar sobre Alcides que
ela disparou a desabafar: - “a culpa foi minha, a culpa foi minha! Fui eu quem
ficou pressionando Alcides pra casar! Ele me pedia paciência, que os velhos iam
morrer logo, mas eu não queria esperar mais! Pressionei tanto ele... Olha o que
ele fez! A culpa foi minha”! O delegado meio surpreso e meio satisfeito de ver
que o caso ia se revelando sem dar muito trabalho, pediu calma a Dora: - “Conte
tudo que você sabe, Dora”. – “Ontem Alcides me ligou no final da tarde. Falando
baixinho, como se estivesse escondido, disse para eu arrumar minha mala para a
gente viajar. Tinha recebido um dinheiro grande de presente de Seu Arthur e um
período de férias. Achei a história sem pé nem cabeça e perguntei o que estava
acontecendo. Ele respondeu: 'você não quer que eu me liberte daqui e que a
gente se case? Esta é a nossa grande chance! De madrugada passo aí pra te
pegar!' E desligou”. –“E ele esteve aqui? De madrugada?” Perguntou o delegado. –
“Sim, ele esteve aqui, mas meus pais não me deixaram vê-lo. Meu pai atendeu a
porta e disse que eu não ia à parte alguma. Disse que notou ele muito nervoso,
chorando até, e dizendo que não tinha tempo para se explicar. Voltou pra moto e partiu sozinho sem dizer para onde ia...”
***
O delegado já chegou na delegacia disparando ordens
para que todas autoridades policiais da região fossem avisadas de que Alcides
era procurado. Sentado à sua mesa, abriu um arquivo no computador que descrevia
o passo a passo burocrático que seria necessário a partir de agora para a
elaboração do inquérito. Mas mal havia começado a consulta quando foi informado
de que o gerente do Banco do Brasil da cidade estava lá pessoalmente para vê-lo.
O jovem gerente entrou na sala do delegado e pediu para que conversassem de
forma reservada. E então relatou que no dia anterior Seu Arthur ligou para o
banco no início da tarde avisando que Alcides iria descontar um cheque de alto
valor. Não era novidade a presença do caseiro no banco efetuando pagamentos e
fazendo saques para Seu Arthur. Afinal, trabalhava com ele há 20 anos e o idoso
e gentil correntista do banco estava cada vez mais recluso em função da idade.
O que fora incomum foi a quantia preenchida no cheque que Alcides chegou para
sacar: 60 mil reais. Praticamente todo o dinheiro que Seu Arthur tinha guardado
na poupança. Como havia recebido o telefonema do aposentado avisando
anteriormente, o gerente não criou nenhum óbice para o saque do vultuoso valor
pelo caseiro, apesar de ter notado o quanto o mesmo estava angustiado, preocupado.
Na oportunidade, julgou que seria pelo receio de carregar tanto dinheiro em
espécie numa maleta, mas quando soube do assassinato naquela manhã percebeu que
aquele saque fora do padrão poderia ter alguma coisa a ver com o ocorrido. O delegado ainda
mais ansioso pela captura de Alcides, perguntou se o gerente poderia lhe
conceder uma cópia do comprovante do saque ou do extrato da conta do falecido,
ao que o gerente disse que isso somente poderia ser feito mediante ordem
judicial e que aquela conversa não era oficial. Estava, inclusive, quebrando
regras ao fazer aquilo. Mas se sentia obrigado a relatar o que vira em off. O
delegado agradeceu e correu para tomar as providências. A caçada iria começar.
Capítulo 4
O delegado, super excitado, sentido-se o próprio Tommy Lee Jones no encalço de Harrison Ford no filme O Fugitivo, espalhou a placa da moto e a foto de Alcides pelo máximo de municípios
das imediações que podia, fez contato com as bases da polícia rodoviária
federal da região e pediu reforços da capital para fortalecer a segurança da
cidade que a essa altura estava em polvorosa. A notícia já tinha chegado à
imprensa e a mídia da capital começava a chegar para cobrir o hediondo e
inexplicável homicídio do simpático casal de velhinhos. Decidiu sair com mais
dois PMs pessoalmente à procura de testemunhas que tivessem pistas do paradeiro
do suspeito. Quando já estava deixando a delegacia, um telefonema o fez retornar.
Todo o aparato de buscas e perseguição não seria mais necessário. O dono de um
pequeno boteco de um distrito distante 20 km do centro da cidade,
desesperadamente, solicitava ajuda, pois Alcides tinha sido descoberto em seu
bar, completamente bêbado e o povo estava querendo linchá-lo. Ele havia colocado Alcides dentro do
banheiro e tentou conter a população transtornada, mas a essa altura já tinha
sido empurrado para longe da porta que estava prestes a ser arrombada. O
delegado correu com os dois PMs para a viatura que se pôs em disparada pela
estradinha de barro que levava ao distrito. O policial que guiava o carro
começou a acelerar cada vez mais quando foi contido pelo delegado: - “Por que a
pressa?” - “Oxente, doutor, vão matar o homem!”, respondeu o piloto. – “E
daí?”, retrucou o delegado. – “Você não acha que o caseiro merece morrer
pelo que fez?” – “Ih, doutor, eu nem sei... será que foi ele mesmo?”, perguntou
o angustiado motorista. – “E você tem dúvidas? Claro que foi! Se matarem ele,
será merecido. Agora diminua essa velocidade, senão acabará é nos matando”.
***
Quando chegaram no distrito o que viram foram um
cenário grotesco. No coreto situado no centro da principal praça do local,
centenas de populares se amontoavam gritando palavras de ordem. O delegado até
que tentou abrir caminho com berros e empurrões mas a multidão entorpecida pelo
desejo de vingança o ignorava. Ele se viu obrigado então a recorrer a tiros
disparados para o alto. Uma vez notado, conseguiu um corredor para chegar até o
coreto. Alcides estava caído no chão com o corpo e rosto muito machucados. O
jovem delegado se abaixou, chegando perto do ouvido de Alcides e
disparou: - “toma filho da puta! Pensou que ia sair impune? Não na minha
cidade! Nem tive tempo de fazer o estrago que queria fazer em você. Outros se
encarregaram disso. Mas sabe de uma coisa? Não vou correr o risco de você se
safar por qualquer brecha dessa burocracia judicial imbecil. Vou lavar as mãos
e deixar eles terminarem o que começaram. Você merece!” Alcides praticamente
não reagiu às palavras do chefe da polícia local. Quase desmaiado, só conseguia
balbuciar: - “Eu fiz por amor... eu fiz por amor”…
***
Ao ouvir as palavras de confissão do assassino, o
delegado tomado pela vontade de se unir ao povo na ânsia por justiça, olhou
para a multidão e fez o clássico gesto romano, em que a mão fechada com o
polegar verticalmente apontado para o alto se volta para baixo sentenciando a
execução do réu.
Último capítulo
Prestes a descer do coreto para lavar as mãos para o
que a multidão quisesse fazer com o criminoso, o delegado percebeu uma movimentação
estranha vinda da praça. Primeiro um silêncio e depois o ruído de sussurros
passados de pessoa em pessoa meio que acompanhavam uma figura que se destacava
no mar de gente gritando e gesticulando, indo depressa em sua direção.
Perguntou ao policial que estava ao seu lado o que se passava e foi informado
que era o filho das vítimas quem estava chegando numa corrida desesperada ao
seu encontro. Dentro do seu ímpeto vingativo o delegado automaticamente pensou:
“o filho tem o direito de dar o golpe fatal”.
***
Ainda ofegante o filho do casal de idoso chegou até
o delegado falando e tentando respirar ao mesmo tempo: - “parem com isso...
deixem o homem em paz”... O delegado, que odiava esse tipo de gente defensora
de direitos humanos perguntou ofendido: “você está com piedade do assassino de
seus pais agora? É isso?!” O filho das vítimas respondeu pausadamente: - “Não é
isso. Não é bem assim. Vocês vão entender... Recebi esta carta hoje pela manhã.
Deixe-me lê-la e você vai entender...
Todos vocês vão entender”:
Querido
filho,
Tenho certeza que compreenderá tudo que passará a ler a partir de agora. Primeiramente gostaria de
dizer que eu e sua mãe amamos muito você e sua irmã. E amamos muito também os
lindos netos que vocês nos deram.
Dito isso,
preciso te contar o que está acontecendo: a doença de sua mãe tem avançado com
rapidez. Ela está cada vez mais dependente da ajuda de D. Vânia para
desempenhar as atividades mais banais como tomar banho, se alimentar e ir ao
banheiro. Isso a está incomodando muito. Mas não é só isso. Ela agora tem
sentido muita dor com cada vez mais frequência. E não está suportando mais. Há
pouco mais de duas semanas sua mãe me chamou para conversar e me pediu
encarecidamente que a ajudasse a fazer a passagem. Ela raciocinou, baseada com
o que o médico disse na última consulta, que tudo só vai piorar. Tanto a
dependência para as necessidades mais básicas quanto a intensidade da dor. Com
91 anos não haverá mais recuperação. É uma curva descendente irreversível. Não
aguento mais vê-la sofrer. É doloroso demais vê-la nessa condição.
Racionalmente refleti e concordei com a solicitação dela. Decidi ajuda-la a
aliviar sua dor. Mas aí eu pensei, o que seria de mim? Estou com 93 anos. Cada
vez fica mais difícil também realizar pequenas tarefas cotidianas. Estou cada
vez mais fraco fisicamente, minha visão tem ficado bastante deficiente e já
começo a esquecer as coisas. Outro dia quase causo um incêndio esquecendo uma
panela no fogão ligado. É verdade que poderia buscar ajuda e ir morar com você
ou com sua irmã ou ir para um asilo. Mas me dei conta: como viver os últimos
instantes de minha vida sem sua mãe? A conheci com 20 anos, portanto 73 anos de
minha vida foram ao seu lado. Praticamente descobrimos o sexo juntos e decididamente
conhecemos o amor juntos. Ela me acompanhou em cada conquista e em cada
fracasso da minha vida. Na minha formatura, na obtenção do primeiro emprego, e
também na primeira demissão, ela sempre esteve lá. Casamos, tivemos dois filhos
lindos e batalhamos juntos em cada passagem de nossa vida. Não lembro de ter
passado um único dia sem adormecer ao lado dela. Como ir dormir sem lhe dar um
beijo de boa noite? Como amanhecer sem ter nela a primeira pessoa que vejo no
dia? Como fazer uma refeição sem ela ao meu lado pedindo pra eu comer devagar?
Como assistir televisão sem a negociação diária entre esporte e novela, uma vez
que nunca, sob nenhuma hipótese, cogitamos cada um assistir seu programa numa
tv diferente. Como me vestir, calçar um sapato, caminhar, piscar, respirar com
a certeza de que não estarei com ela pelo resto do dia, pelo resto do mês, pelo
resto de minha vida? Seria impossível para mim passar um único dia sem ela. Eu
viveria desejando morrer. Com 93 anos, qual o sentido disso? Decidi que iria junto
com ela. Foi a decisão mais fácil e óbvia da minha vida. Ela até pensou em me
demover da ideia mas se convenceu no primeiro minuto. Ela sabe que escolheria o
mesmo. Uma vez decididos, combinamos de pelo menos ver você e sua irmã pela
última vez. Por isso esperamos a visita de vocês no último fim de semana. Não
sei se notaram como estávamos emocionados. Preferimos não comentar com vocês
pois com certeza iriam ficar tristes, mesmo que compreendessem. Depois de nos
despedirmos interiormente de vocês nos sentimos prontos para partir. Percebi
que não teria forças físicas nem psicológicas para fazer tudo sozinho. Foi aí
que envolvemos o pobre do Alcides. Tratei de convencê-lo ainda esta manhã, pois
se lhe déssemos muito tempo ele poderia desistir ou dar com a língua nos
dentes. Ele relutou bastante mas nos compreendeu. Afinal convive com a gente há
vinte anos e sabe que estamos fazendo isso por amor. Ele tem um afeto muito
grande por mim e sua mãe e nós por ele também. Combinamos que eu e sua mãe
tomaremos um forte calmante na hora de irmos dormir hoje à noite, para não
vermos nem sentirmos nada. A porta ficará aberta e Alcides entrará de madrugada
com seu 38 e nos fará este ato de caridade. Saquei todo dinheiro da poupança
para dar ao Alcides como agradecimento por tudo que fez pela gente, pelo que
fará esta noite e também para ele poder resolver sua vida e pagar um advogado. Não sei como a
justiça encarará este fato mesmo após você apresentar esta carta. Tenho esperança
que seja absolvido caso vá a julgamento. Recomendei a ele que fuja por uns dias
para se proteger até que você receba esta carta e venha ao município esclarecer
para a polícia, justiça e para a população como tudo se deu. Enviarei esta
carta por Sedex 10 para que receba ainda na manhã de amanhã, para que não
sofra muito quando a notícia chegar até você. Peço que não deixe nada acontecer
a ele. É um ótimo rapaz. Sabemos, filho, que você é o único a realmente
compreender as razões que nos levaram a tomar esta decisão, sem suspeitar que
pudéssemos ser coagidos ou obrigados a escrever essa carta. Por fim, gostaria
que cuidasse bem de sua irmã e lhe explicasse que neste ato não existe dor, não
existe tristeza, não existe angústia ou sofrimento. Estamos felizes de partimos
juntos. Este sempre foi nosso desejo. Eu e sua mãe nos amamos muito para que
possamos viver um sem o outro. Fiquem bem. Estamos em paz.
Eta!!! Estou gostando, rsrsrs!!!
ResponderExcluirQue massa! Pensei que era só eu! rs
ExcluirNossa, história linda... mistura de tragédia com ação e romance... lição de vida, de companheirismo e amor.
ResponderExcluirMais uma vez, Parabéns Hugo!!!
Legal que comprou a ideia da história! Muito obrigado!
ExcluirSurpreendente foi! Sera que tem amor assim depois de 70 anos juntos... tomara! Agora pobre Alcides, pq diabos esses velhinhos nao simplesmente tomaram um monte de calmantes... hehehe
ResponderExcluirO comentario eh meu, Lynn...
ResponderExcluirA história é baseada num obituário que vi no jornal A TARDE meses atrás no qual os filhos de Sr. Tal e Sra. Tal convidavam amigos e parentes para o velório DOS SEUS PAIS QUE VOLUNTARIAMENTE DECIDIRAM SEGUIR JUNTOS APÓS 70 ANOS DE UNIÃO…
ResponderExcluirOi, Hugo, Ana Celeste me falou do seu blog! Adorei essa história!
ResponderExcluirE por coincidência, o casal do obituário era os avós de uma amiga. A história real é linda também! Bj, Paloma
ResponderExcluirOi Paloma! Que legal que gostou! Sério que você conhece essa história? Ah, vou querer mais detalhes depois! Curioso…rs
ExcluirSó pode ser a mesma história! Conto sim, quando quiser! Bj
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