3. Música do mês. Agosto. Panela.
A área vip em frente ao palco é exclusiva para os convidados
Panela é a terceira música que gravo em parceria com
Yonsen Maia, grande produtor, arranjador, guitarrista e compositor.
Para ouvi-la (dê preferência aos fones de ouvido):
Há três meses temos conseguido gravar uma música por mês:
compostas e com arranjos idealizados por mim, as canções ganham forma e cara
através da maestria da execução dos arranjos por ele. A ideia é completar as 10
que farão parte de um futuro disco, cd, álbum, ou seja lá qual o formato
adequado para se apresentar músicas daqui há alguns meses (os citados já são
obsoletos?). Faltam 7!
As outras duas músicas gravadas são Sentido (em junho) e
Unilateral (em julho), cujos links dos vídeos postados no Youtube encontram-se
ali no lado direito deste blog.
Sobre Panela, não há nenhum mistério em sua letra. Tudo
que ela quer dizer está ali. Mas não resisto em divagar um pouco (devagar...)
Ela nasceu da observação do quanto somos parciais ao
analisarmos privilégios e oportunidades.
Pra quem tem
cartão vermelho
Não tem fila no
guichê ao lado
Pra quem tem a
renda baixa
Auxílio e bolsa
pagos pelo Estado
A política de cotas nas universidades por exemplo.
Parece-me que quem mais critica tal política, utilizando o argumento da
meritocracia, seja justamente quem mais usufruiu de um sistema educacional
profundamente desigual, onde qualquer análise sobre mérito deveria ser
devidamente relativizada.
Aluno de escola
privada:
Maior chance de
melhores notas
Quem se insere
no padrão
Tem acesso pelo
sistema de cotas
Tomando-me como exemplo:
Dezesseis anos atrás passei no vestibular para o curso de
Direito da Universidade Federal da Bahia, o curso de Direito mais cobiçado do
Estado e um dos vestibulares mais concorridos entre todos os cursos.
Ostento com orgulho a marca de 74º (septuagésimo quarto) lugar
no vestibular em que se classificavam 200.
Na época não se ouvia sequer falar em política de cotas.
Os defensores da meritocracia vêem nesta situação básica um grande exemplo da
sua tese. Aquele que teve a 74º colocação termina a seleção efetivamente em
74º, ingressando na universidade porque teve o mérito de ser o 74º colocado.
Beleza.
Orgulhoso do meu desempenho, olho o cenário da minha
performance. Estudei a vida toda em colégio particular, em dois dos melhores
colégios do Estado. Em situação análoga a minha deveriam estar, sei lá, dando
um chute bem para cima, cerca de 10% dos meus concorrentes. Os outros 90%
vinham de escolas particulares de menor expressão ou - acredito que a grande
maioria – de escolas públicas cuja qualidade se conhece das estatísticas
oficiais.
Pois bem, e se todas as escolas públicas do Estado
tivessem um nível de ensino semelhante ao do colégio onde estudei? E se aqueles
90% concorrentes do vestibular de Direito alijados de uma disputa real,
tivessem tido a mesma oportunidade de ensino que eu? Ostentaria eu, orgulhoso,
o status de 74º aprovado no curso de Direito da Universidade Federal da Bahia?
(Aliás, independentemente de qualquer análise, seria uma marca para se ter
tanto orgulho assim?)
A resposta lógica seria que para obter essa mesma classificação,
no mínimo, eu teria que me empenhar bem mais.
Estudante e
idoso
Têm desconto no
ingresso comprado
A área vip em
frente ao palco
É reservada para
os convidados
Cabe esclarecer neste ponto, que não se está aqui
pretendendo subestimar meu próprio desempenho. O “se” é uma variável hipotética
e pode ser verdade que me empenharia muito mais na preparação caso o cenário na
época fosse o vislumbrado acima.
Fraude na
licitação
E a oposição
protesta indignada
Mas se ganhasse
a eleição
A oposição seria
denunciada
Devo ressalvar também que não sou defensor do sistema de
cotas. Claramente é um sistema que ao tentar atenuar uma distorção causada por
uma história de desigualdade de oportunidades, também acaba por causar as suas
próprias distorções.
Mas o que se tenta provocar (Sim, provocar! Não há espaço
para verdades absolutas aqui) é que normalmente tendemos a enxergar com
naturalidade certas situações quando estamos do lado favorecido da gangorra (no
caso do exemplo, o fato de pertencer aos 10% dos vestibulandos que tiveram
privilégio de ter uma educação de base de qualidade.
Da mesma forma, costumamos enxergar injustiças e vantagens
desleais e injustificáveis, quando não estamos abrangidos por aquelas
prerrogativas.
Só reclama da
panela
Quem fica fora
dela
Só reclama da
panela
Quem fica fora
dela
O que tento discutir, portanto, é mais como nosso olhar
pode ser parcial ao nos depararmos com certos privilégios a depender do lado da
área vip em que nos encontramos, do que o conteúdo e razão dos privilégios em
si.
Exclusividade é
exclusão
O privilégio é
auto-proteção
Desigualmente,
desunião
Mas é inerente,
vai dizer que não?
Tanto quanto olhar pro espelho, é importante olhar ao
redor e se colocar no lugar do outro. Estaria eu reclamando do privilégio
alheio, fosse eu o privilegiado? Ou lidaria eu, com tanta naturalidade em
relação a uma vantagem obtida, se estivesse de fora dessa condição?
É inerente? Vai dizer que não?
Sds,
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