6. Sexta-feira, Sua Linda
Felicidade agendada
Toda a semana é a mesma coisa. A partir de terça-feira nas
redes sociais, notadamente o Facebook, ocorre um fenômeno já tradicional.
Muitas pessoas começam observando que ela ainda está longe... Depois vem a
contagem regressiva de que faltam 2 dias... Na quinta-feira, rostos risonhos de
bebês, gatos, macacos, anunciam que o esperado dia seguinte está próximo... Até
que, tcharam: fogos de artifício, braços levantad\o/s, fotos de brindes de
cerveja e frases terminadas com 3 exclamações, no mínimo, anunciam a chega
dela. A maravilhosa, fantástica, insuperável, sexta-feira!!! (Em
negrito, itálico, sublinhada e as imperdíveis três exclamações).
Esperam ansiosamente
A chegada do dia
Que trará finalmente
A volta da alegria
Talvez não seja um ritual recente; desde muito tempo se anseia, se espera, se deseja ardentemente a chegada do fim de semana.
Mas é fato que o fenômeno ganhou força com as redes
sociais.
Não há nada de errado com isso, diga-se de passagem.
Imagina-se que certamente quem aguarda tão ansiosamente a chegada do fim de
semana, o faz pelo fato de ter passado a semana toda trabalhando bastante.
Arduamente. Portanto, nada mais natural do que ficar na expectativa do tão
merecido descanso semanal.
Ainda assim, essa exaltação toda em torno do fim de semana
tem me feito pensar: de segunda a quinta nossa vida é tão desastrosa assim? Se
sim, estamos todos realizando trabalhos que não nos realizam? Temos um dia a
dia tão difícil que não nos edifica?
Semana enfadonha
Dias de penumbra
Com a sexta se sonha
Desde a segunda
Esse tipo de raciocínio sempre foi para mim crucial para
determinar muitas decisões profissionais.
Às vezes incitante, às vezes
desmotivador, a reflexão de que é preciso fazer um trabalho que me realize
sempre esteve presente. Acho que sempre morri de medo de viver a semana inteira
desejando a chegada da sexta. Ora, por que não ansiar, aguardar e comemorar a
segunda-feira?
Pois do contrário, dentro de uma semana, estaremos
sacrificando 5 dias pela recompensa de 2? Dentro de um dia, desperdiçamos cerca
de 12 horas, para gozarmos apenas 4? (a conta fecha com as almejadas e nunca
alcançadas 8 horas de sono diárias).
É claro que muitas vezes imaginamos um nível de realização
profissional que só existe lá, no mundo da imaginação. Temos que ter cuidado
para não cairmos na tentação da busca da felicidade plena, produto prometido
pela sociedade hedonista atual, que determina que
temos-que-ser-felizes-o-tempo-todo-em-tudo-que-fazemos. E que, por sinal,
parece que só tem gerado cada vez mais depressão.
Parece que o intervalo
Entre segunda e quinta
Promove grande abalo
Felicidade extinta
Aliás, isso me lembra uma aula que assisti num curso de MBA que fiz (muito motivado, diga-se de passagem, pela vontade de descoberta da realização profissional absoluta), em que o professor fazia uma análise da relação que pessoas de diferentes gerações tinham com seu trabalho. Acho que vale a pena o aparte (ajudado por uma rapidíssima e superficialíssima pesquisa internética (http://www.agenciaboreal.com/blog/geracao-x-y-z/):
Primeiro veio a Geração “Baby Boomer”: geração pós-segunda
guerra mundial, seu maior objetivo era sobreviver. O pessoal dessa geração queria
ter um emprego fixo e seguro, que garantisse a sua subsistência. Passavam a
vida inteira numa mesma empresa;
A geração seguinte, conhecida como “Geração X”, que surgiu
ali pela década de 70, já incutiu no seu modo de ver o trabalho, a ambição por
melhor retorno financeiro e realização profissional. Por propostas financeiras
melhores e ambição por cargos maiores, admitem mudar de emprego, de forma ainda
conservadora. Em média, trocam de empresa uma vez durante a vida profissional;
A geração posterior, “Y”, formada por pessoas nascidas na
década de 80, hoje com até 30 anos, além da realização profissional, agregou o
elemento “qualidade de vida” na sua expectativa no mercado de trabalho. Não
hesitam em mudar de emprego diversas vezes e, frequentemente, preterem um maior
ganho financeiro a uma melhor qualidade de vida; dividem o dia a dia no
trabalho com a prática de atividade física, o aprendizado de línguas, o
exercício de hobby, o desfrute de eventos culturais, o hábito de viajar
constantemente.
Apenas para não deixar o já raso “aparte” ainda mais
capenga, observo que ainda existe a chamada geração “Z”, formada pelos
adolescentes e crianças contemporâneos; alvos cada vez mais perseguidos pela
voraz mira publicitária, essa geração foi apelidada de “Z” pela característica
de “zapear” de forma constante entre diversas atividades, não se prendendo a
nada durante muito tempo.
Voltando ao foco inicial, tento agora relacionar o
comentário das gerações com a pressão dos dias atuais pela busca da
felicidade-plena-o-tempo-todo-em-tudo-que-fazemos.
Não seria possível
Que o cotidiano
Fosse mais aprazível
Durante todo o ano?
Parece-me que as gerações mais maduras encaravam seu
sacro-ofício cotidiano de uma forma mais resignada do que os buscadores de
felicidade atuais*.
O contraditório (ou não) nesse pensamento é que aqueles
que – teoricamente – não eram tão realizados no trabalho, aspiravam o momento
de folga semanal mais serenamente do que os “empreendedores” de qualidade de
vida atuais.
Ou seja: os que mais prezam pela qualidade de vida do dia a dia, ironicamente, são os que menos estão satisfeitos com seu cotidiano, aspirando, desesperadamente, pela chegada do fim de semana?
Isso me lembra uma interessante reflexão filosófica ou
psicológica (não sei) que li certa vez. Era algo do tipo: “aquele que está com
uma dor de dente insuportável e obtém a interrupção dessa dor, tem uma sensação
de alívio tão grande que aquilo lhe provoca um momento mais prazeroso do que
aquele que não teve dor de dente em momento algum.
De acordo com essa reflexão, seria o sofrimento algo
necessário ao ser humano?
Nesse sentido, aqueles lamentadores da segunda-feira, de
vida desastrosa de segunda a quinta, os menos realizados no trabalho (apesar da realização profissional e qualidade de vida estarem no foco de suas pretensões), seriam,
por outro lado, efetivamente mais felizes na chegada da sexta, do que os que
trabalham toda semana com maior prazer?
Ou será necessário
Para a humanidade
Um tanto de calvário
Para ter felicidade?
Sds,
Hugo
*Vi os termos “sacro-ofício” ( assim utilizado, com
hífen, fazendo uma brincadeira entre o trabalho sagrado e o sacrifício) e
“buscadores de felicidades” sendo utilizados por Carlos Maltz, ex-baterista dos
Engenheiros do Hawaii, atualmente astrólogo, psicólogo, escritor e ao meu ver,
um filósofo contemporâneo. Muito do que escrevo aqui é pescado de reflexões que
ele promove em seu site, no twitter, e em seu livro chamado “Abilolado Mundo
Novo”. Em breve farei uma postagem sobre sua influência nos textos deste blog.
PS 1: Comprometimento e organização são ingredientes que
podem deixar o mais enfadonho ofício, prazeroso, quando verificamos a evolução
e consecução de metas e objetivos, tendo ainda tempo livre para aproveitar mais
horas do dia. Hum... Mas um pouco de caos e bagunça são os elementos essenciais
para que alguns se realizem durante as horas dedicadas e - “desperdiçadas” - no
trabalho. Ah, que maravilha a diversidade entre pessoas de uma mesma geração.
PS 2: Por que um dia tão maravilhoso como a sexta-feira,
se somado ao número 13, pode ser considerado uma data de azar? Será que nos
dias atuais, essa famosa superstição teria espaço para surgir? A preguiça não
me deixar ir ao Google. Mas, atualmente, se a sexta-feira 13 é um dia
considerável terrível, já imaginou o que seria de uma segunda-feira 13?
PS 3: No filme Matrix, os criadores da realidade paralela,
dizem que a “matrix” (uma realidade virtual artificial em que todos os seres
humanos estariam conectados num estado de sono profundo eterno) original foi
criada com a previsão de todos seriam felizes. Mas o programa não deu certo,
pois a mente humana não foi capaz de se adaptar a uma vida sem sofrimento.
Não estou conseguindo visualizar esta publicação de número 6 (sexta-feira, sua linda) por meu celular. Alguém teve algum problema?
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