A SEPARAÇÃO (4o capítulo de 5)

1.
O celular tocou e ele já franziu a testa impaciente ao ver o número da esposa no visor. “Oi, ainda vai demorar?”. “Estou trabalhando, daqui a pouco vou embora. Alguma coisa?” “Não... Aliás, sim... Queria saber que horas você virá, porque quero conversar uma coisa com você”. “Algum problema com alguém da família?” “Ah, não, está tudo ótimo com todos. Precisamos conversar sobre a gente”. “Puta que pariu, uma DR para fechar um dia corrido era tudo que precisava... Daqui a pouco estou indo”. “Tchau”. Ele perdeu o ânimo para trabalhar. O telefonema da esposa dizendo que queria conversar tinha acabado com o resto de noite dele. Não tinha mais saco para aquelas DRs intermináveis que não levavam a nada. “Onde você está? O que está fazendo? Você só faz trabalhar! Não para mais em casa! Vai demorar?” Saco! Toda liberdade que tinha durante o namoro tinha acabado com o casamento. Até passou o primeiro ano procurando ser o marido perfeito, só indo do trabalho para casa de casa para o trabalho. Sua vida era empresa e família. Mas a rotina tediosa chegou ao limite e nos dois últimos anos vinha priorizando sua felicidade. Futebol, terças e sábados, academia sempre que dava e clube do pôquer todas as quintas com os amigos. Sem contar as saídas quando rolava uma viagem de trabalho. Como ainda não tinham filhos, se sentia um pouco mais livre para fazer as coisas que mais gostava, que coincidentemente eram sem a presença de sua mulher. A namorada divertida e bem humorada há muito tinha deixado de ser uma boa companheira. Cobranças, cobranças e cobranças. A mulher pela qual se apaixonou tinha se transformado numa mãe 10 anos mais velha do que ele... Desligou o computador, colocou alguns documentos na gaveta e partiu para casa. Sair do trabalho mais tarde tinha a vantagem de pegar o trânsito um pouco mais tranquilo, chegando mais rapidamente. O que não era uma grande vantagem naquela noite. Ao subir o elevador, já estava irritado e pretendia ser objetivo e não deixar aquela conversa se estender demais. Estava puto por não poder ir à academia. Abriu a porta, encontrou sua esposa sentada no sofá e não resistiu ao tom irônico: “o que foi dessa vez, deixei a cueca no chão ou a tampa do vaso levantada?” Ela suspirou com paciência e simplesmente disse: “eu estou indo embora.”

2.
Aquela frase o pegou de surpresa. - “Como é que é? Indo embora? Como assim, indo embora?” Ela respirou fundo e disse: - “Fala sério, ainda preciso explicar?”. Ele replicou: - “não estou entendendo... você está dizendo que está se separando de mim, é isso? Assim, do nada, de repente?” - “De repente? Vamos ser sinceros... O que é que estamos fazendo juntos? Há muito tempo que não somos um casal... Somos duas pessoas estranhas que dividem um apartamento com uma foto de casamento plotada na parede do quarto. E duas pessoas que estão cada vez menos tolerando a companhia um do outro. Você pergunta porque separar... E se fizermos a pergunta inversa: Porque estamos juntos? Qual seria a resposta para essa pergunta?”. O pior é que ela tinha razão. Há muito tempo não viviam como um casal. Há muito tempo eram dois estranhos que depois de uma fase de brigas frequentes, simplesmente se ignoravam. Tinham mais motivos para não ficarem juntos, do que para ficarem, realmente. Mas não podia negar que a tomada de decisão por parte dela, o tinha surpreendido. E atingido seu orgulho, sua vaidade. Por pior que a relação estivesse e mesmo já tendo pensado na possibilidade da separação, imaginava que aquele dilema e a eventual decisão seriam exclusivamente dele. Sentia-se seguro que sua esposa não teria coragem ou até mesmo a audácia de escolher o término. Sim, a audácia. Afinal, era uma mulher de 34 anos... E no fim das contas ele era um “ótimo partido”. Bonito, inteligente, bem sucedido profissionalmente. Não que fosse rico, mas estava num momento sólido da carreira com remuneração acima da média dos colegas de sua idade e com possibilidades palpáveis de crescimento. Vivia em plenas condições de sustentar sua família. E não era isso que as mulheres mais desejavam? Segurança e estabilidade para cuidarem de sua família? Não passava pela sua cabeça que ela tivesse a iniciativa de abandonar tudo isso. Ainda mais quando a realidade para mulheres de sua idade não andava muito favorável no quesito “relacionamento”. Conhecia dezenas de amigas dela solteiras que se queixavam que não haviam mais homens que valessem a pena no “mercado” e que quem tivesse o “seu” era melhor “segurar.” Mas ela tinha tomado a decisão. Ela estava escolhendo a incerteza do mundo “lá fora” em detrimento do relacionamento com ele. E para isso, ele não estava preparado.

3.
Os primeiros dias foram de negação. Disse para ela (e para si mesmo) que aquilo seria uma crise passageira, e que seria bom darem um tempo um do outro (apesar de ela deixar claro que aquilo não era um “tempo”). Não contou para ninguém, intensificou o tempo que gastava na academia e jogando vídeo game. Seu orgulho o fazia acreditar que ela sentiria sua falta e que partiria dela a iniciativa da reconciliação. O primeiro fim de semana foi de paz. Convenceu-se que precisava de um momento sozinho para “se curtir”. Abusou dos programas de esporte na tv, da pornografia na internet e de alimentos gordurosos. Sim, como era bom dar um tempo da alimentação natureba que sua mulher adotara em casa. Delivery de pizza, comida chinesa e até churrasco invadiram seu apartamento.  Preferiu se resguardar sem aparecer em lugares públicos para evitar perguntas constrangedoras que demandariam mentiras desconcertantes. Os dias foram passando e a esperada sinalização de vulnerabilidade emocional por parte dela não aconteceu. Passou a se dedicar mais intensamente às atividades que já praticava durante a semana. Arrumou mais um futebol às quartas, ia à academia todos os dias fazendo todas as aulas possíveis, como boxe, muay thai e até spinning. Trabalhava feito um louco. A angústia com a separação o tinha levado a ocupar o dia e a mente o máximo possível. Fazia refeições rápidas na rua entre as atividades e só chegava em casa exausto, basicamente para tomar banho e dormir. Depois de duas semanas resolveu aproveitar a solteirice. Permitiu-se ir a uma boate da moda com um dos últimos amigos ainda solteiro, flertou à vontade, e ao encontrar uma antiga ficante não hesitou em dormir na casa dela. Talvez não fosse tão mal assim se divorciar. Apesar de nunca ter sido um marido fiel, era um alívio poder ficar com uma mulher sem tanto medo de ser apanhado. As semanas foram passando e ele começou a gostar da noite novamente. Saía quase todo dia da semana. Evitava lugares onde encontraria amigos e o círculo social de sua esposa para não se expor, mas já se sentia à vontade para beijar e ficar publicamente. As farras foram aumentando e a possibilidade de realizar fantasias e orgias que na época de adolescência eram tão somente isso – fantasias – o entusiasmava cada vez mais. Mas mesmo divertindo-se tanto, sentia que havia algo de errado com ele.

4.
Após 3 meses de divertimento intenso, em que não faltaram farras, bebedeiras,  e sexo, muito sexo (como estava fácil!), ele não aguentava mais. Na verdade, não entendia muito bem o que estava acontecendo com ele. Estava saindo e ficando com mulheres cada vez mais lindas, gostosas e interessantes, que ele jamais teve chance de ficar antes do casamento. Tinha dinheiro para aproveitar a noite em alto nível, nos melhores bares e restaurantes. Até viajou para Floripa para curtir uma festa famosa por lá. Mas nada daquilo o completava. Em relação à sua ex, as coisas não aconteceram como ele esperava. Tirando umas duas mensagens de texto que haviam trocado, ela não o procurou. Ela não disse que queria voltar. Aparentemente, ela não tinha se arrependido. Ele imaginou logo que ela estava com alguém e procurou saber se isso tinha acontecido, mas parecia que não. Uma amiga em comum que certamente saberia se algo assim estivesse ocorrendo, garantia que ela não estava envolvida com ninguém. Que apenas estava recolhida à sua família procurando dar um novo rumo à sua vida. Planejara até tirar um mês de férias pela Europa com os pais no segundo semestre. Desiludido com a vida de curtição, ele aos poucos começou a desacelerar e a procurar refletir um pouco mais sobre a reviravolta que sua vida tinha dado e o que o havia levado àquele ponto. Passou a fazer uma retrospectiva de todo seu relacionamento, desde o momento do surgimento da paixão, passando pela decisão sincera de casarem, dos votos emocionados no altar, da empolgação com início da vida sob o mesmo teto, até a separação. Tentou definir um motivo, uma causa específica para que uma relação saudável, divertida, feliz se transformasse num inferno. E ele só a culpava.  A culpava por ter se tornado uma megera, pelo seu mal humor, pela sua mania de arrumação. A culpava pelas cobranças constantes, pela falta de compreensão e pela tentativa de transforma-lo em alguém que ele não era. Acreditava naquela máxima de que no casamento a mulher espera que o homem mude e o homem espera que a mulher não mude. Reconhecia que não era o marido perfeito, mas atribuía seu distanciamento, seu desleixo e até suas traições (muito bem tramadas, diga-se de passagem, que não deixavam rastros – imaginava), faziam parte de sua natureza e que não podia fazer nada em relação a isso. Sim, a culpa era dela. Mas ainda assim, sentia muito sua falta. Talvez houvesse uma chance, talvez pudessem tentar novamente. Talvez ele pudesse mostrar a ela que ele não precisava mudar. Decidiu procura-la.

Comentários

  1. Estava enviando um comentário que foi interrompido de repente. Estou gostando do texto. Prendeu minha atenção e gerou expectativa. Será que ela encontrou alguém? Tá com uma doença terminal e generosamente caiu fora do " relacionamento" ou do que tinha restado dele para evitar maiores sofrimentos. Vai virar minha budista? Ou simplesmente esgotou a relação? Aguardo com ansiedade o próximo capítulo.

    ResponderExcluir
  2. Curiosíssima!!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

8. A música do mês. Setembro. SEGURO

18. Hormônio ou essência

O CASAL (último capítulo)