4. A Regra de Ouro
A ética da reciprocidade
Comprei um livro de Filosofia. Quer dizer, talvez não seja
um livro de Filosofia, é mais um livro sobre Filosofia.
O livro é um “resumão” sobre pensamentos e pensadores ao
longo da história da humanidade. Para quem tem um mínimo de conhecimento sobre
o tema, deve parecer um livro infantil: gráficos, boxes, ilustrações, linguagem
super acessível. Para mim, leitor esporádico de ficção, interessado em
filosofia de boteco, ele é perfeito!
Logo nas primeiras páginas já me deparei com a tal “Regra
de Ouro” da filosofia. Ela é citada pela primeira vez na parte sobre Confúcio,
filósofo chinês do Século V a.C. Juro que nunca tinha ouvido falar em “Regra de
Ouro”, mas o seu enunciado, ouvimos todos os dias: “o que
você não deseja para si mesmo, não faça aos outros”.
Em tudo que
fizer
A cada atitude
tomada
Pondere aquilo
que quer
Com a tal regra
dourada
Uma rápida corrida ao amigo Google e descubro que ela é
chamada “Regra de Ouro” por ser um princípio moral geral presente em
praticamente todas as religiões e culturas.
No Wikipédia são citadas diversas variações do Enunciado
acima enunciado nas mais diferentes religiões.
Presente em
várias culturas
Princípio de
conduta moral
A regra não é
nada obscura
É clara como
cristal
Pois é. Não causou espanto saber que tão básica regra de
convívio social já era pensada, citada, discutida dentro do pensamento
religioso e filosófico mais antigo.
O que causa surpresa na verdade é perceber o grau de
dificuldade que as pessoas têm de aplicar tão elementar norma de conduta à sua
vida cotidiana.
Era pra ser um
preceito
Repetido
exaustivamente
É um mandamento
perfeito
Pra quem vive
cercado de gente
Nas mínimas atitudes às ações mais profundas, como seria o
mundo se efetivamente agíssemos baseados no preceito: “não faça aos outros, o
que não deseja a você”. Ou ainda, sua variação positiva, encontrada no Sermão
da Montanha, de Jesus Cristo: “Tudo o que quereis que os homens vos façam,
fazei-o vós a eles”.
A Regra de Ouro deveria ser um
mantra repetido todo dia antes de dormir e ao acordar.
Não era pra ser
difícil
Seguir este
enunciado
Bem que podia
ser vício
E nele todos nós
viciados
A reflexão é infinita, mas e se
tentássemos em cada ação que fazemos seguir tão nobre preceito?
Pois a básica regra
de ouro
Que todo mundo
deve seguir
É apenas não
fazer com o outro
O que não se deseja
pra si
No trânsito, por exemplo, seria
fabuloso. Quantas vezes já não estive numa saída de transversal indignado com o
fato de nenhum carro me dar passagem? E quantas vezes eu dou passagem quando
vejo um carro naquela mesma condição?
“O que você não
deseja para si mesmo, não faça aos outros”
Quantas vezes passo batido por
pedestres que querem atravessar uma rua sem faixa ou sinal e quantas vezes
estive a pé, revoltado com os carros que não davam oportunidade de travessia?
“O que você não
deseja para si mesmo, não faça aos outros”
Nos relacionamentos amorosos
então, quantas traições ocorreriam? Afinal é muito fácil se sentir passível de
trair, mas quase impossível tolerar uma traição.
“O que você não
deseja para si mesmo, não faça aos outros”
E nas relações familiares? Nas relações de trabalho? Ao
prestar um serviço, ser cliente de serviço? Ao pedir informação? Ao dar uma
informação?
“O que você não
deseja para si mesmo, não faça aos outros”
É claro que o raciocínio parece muito simplório, até
porque sabemos que a natureza humana é fraca e falha, muito sujeita a instintos
e emoções primárias. Mas talvez realmente o raciocínio deva ser simples. Ou
será que é muito complicado não fazer ao outro o que não deseja a si mesmo?
Sds,
Hugo
PS: Comprei o Livro da Filosofia numa livraria de
aeroporto. No vôo de volta pra casa, após uma semana de trabalho, vinha
devorando as primeiras páginas do livro sentado à poltrona do corredor, tendo
um casal maduro ao meu lado (por volta dos 50 anos de idade): ele na janela e
ela no meio. Com as luzes do avião apagadas, liguei a lâmpada de leitura individual
relativa à minha poltrona. No decorrer do vôo, percebi que a senhora ao meu
lado tentava dormir. Com o avião escurecido, notei que meu feixe de luz
exclusivo, por mais que estivesse voltado para minha direção, não era tão exclusivo
assim e poderia estar incomodando a cansada mulher. Passei o voo todo com o dilema:
deveria abrir mão do meu momento de leitura, apagando o feixe de luz como gentileza
à senhora, apesar de saber que aquela área de luz era um “direito” meu e que não
estava fazendo nada de “errado” em usufruir dele? Ainda mais que a senhora não
me pediu, nem fez cara de que estava incomoda. Nem tampouco se tratava de uma
idosa frágil, que merecesse maiores cuidados. Pois bem, ao avançar na leitura,
me deparei com a menção à Regra de Ouro, o que só fez aumentar meu dilema. Em
dado momento, o interesse pelo conteúdo do livro drenou minha atenção de tal
forma que esqueci, por instantes, (será que não quis esquecer?) da minha
reflexão filosófica pessoal para me aprofundar na reflexão filosófica do livro.
Quando me dei conta, chegamos ao destino, as luzes foram acesas e o meu raciocínio,
momentaneamente, perdeu o objeto. Mas mal caminhava para sair do avião, quando
me veio uma lembrança de uma passagem recente, em um outro voo que percorri. Desta
vez, era eu o passageiro exausto que tentava dormir e que tinha ao meu lado um
sujeito concentrado na sua leitura. De fato, o feixe individual de leitura dele
atrapalhava por demais meu sono, o que me fazia, internamente, amaldiçoar
aquela leitura torcendo com todas as minhas forças para que o sujeito apagasse
a inconveniente luz (mesmo sabendo que ele estava no “seu direito” individual
de ler). Tal lembrança tardia, por fim, talvez não esgote a questão sobre a postura
mais ética, uma vez que não se poderia exigir ao passageiro uma conduta negativa
de não ligar a lampadinha, por não haver nessa conduta uma ação de desrespeito
para com “o outro” (não faça com o outro, o que não deseja a você). Porém,
quando aprofundamos a análise na Regra de Ouro pela ótica positiva – assim
como preconizada no Sermão da Montanha - talvez a atitude que deveria ter sido tomada,
fique um pouco mais evidente: “faça ao outro, o que quer que façam por você”.
Procuro viver sob a égide dessa regrinha ;-)
ResponderExcluirSe todos conseguíssemos, hein?! Abraço, thanks pela visita e comentário!
Excluir