25. O Fracasso da Sociedade



Pessoas criminosas têm que ser presas
Com rigor ostensivo, sem dó nem piedade
Assegurado amplo direito a defesa
Mas que não se traduza em impunidade

Prende-se e mata-se em defesa legítima
Mas bandidos não param de se formar
Do ambiente violento, a criança é vítima
Vendo ratos e agressões por todo lugar

Mas o Estado não chega, não acolhe, faz nada
Na escola da vida a criança vai aprender
O Estado é a sociedade organizada
E a sociedade é formada por mim e você

A violência urbana na minha cidade, Salvador/BA, chegou a um nível insuportável. Ainda (muito triste dizer “ainda”), não fui vítima dessa violência de uma forma direta, mas são cada vez mais freqüentes os relatos de parentes e amigos muito próximos que vivenciaram situações de violência absurda. Sempre à mão armada, roubos e seqüestros-relâmpagos não têm sido raros.

Infelizmente, essa realidade não é restrita à minha cidade. Além de Rio e São Paulo, cidades cuja violência urbana está constantemente presente no noticiário nacional, amigos e parentes que moram em cidades como Fortaleza/CE, Aracaju/SE, Recife/PE, Goiânia/GO, por exemplo, vivem a mesma sensação de medo. Se não é uma situação pontual e exclusiva de uma localidade ou região, desconfio que esta seja uma realidade peculiar do Brasil.

O que conheço do exterior advém de algumas poucas viagens turísticas e de tudo aquilo que sabemos por notícias, internet, comentários de pessoas próximas que moraram fora, etc... E de acordo com essas informações, tomando por base o “mundo ocidental relativamente civilizado” no qual incluo (com critérios próprios) Europa Ocidental, América do Norte, Central e do Sul e, digamos, a Oceania (é ocidental?), acho que em nenhum dos países existe uma violência urbana explícita e corriqueira como no Brasil.

Aproveito para fazer uma observação antes de prosseguir. Sinto necessidade de diferenciar criminalidade de violência. Em várias cidades do mundo, eu mesmo já fui vítima de pequenos golpes, tentativas de furto, taxistas mal intencionados. Ainda assim, nesse particular, o Brasil também parece ser campeão. Temos uma cultura impregnada pela mania de levar vantagem, dar jeitinho, nas mais corriqueiras situações... Escrevi sobre isso no texto “Representantes” semanas atrás: http://bloghugoalencar.blogspot.com.br/2012/10/9-representantes.html

Mas, voltando: com exceção de certas regiões específicas, dominadas por narcotraficantes na Colômbia e no México, (organizações paramilitares cuja atuação mistura o comércio ilegal de drogas em si com reivindicações políticas) me parece que nem na América Latina mais subdesenvolvida, existe violência como no Brasil.

Questiono qual a causa dessa violência.

Por um lado, não há dúvidas de que nossa violência está diretamente ligada com a miséria e a desigualdade social. Mas nos últimos anos, a sensível diminuição da pobreza não reduziu os índices de violência. Pelo contrário: a sensação de insegurança só aumenta.

A falta de repressão policial ostensiva e a nossa tradicional impunidade não me parece que sejam a explicação mais completa para a guerra civil urbana diária. São elementos que contribuem para o quadro geral, obviamente. Mas acho que o assunto exige uma reflexão mais apurada. Pois por mais que se prendam bandidos, o importante é saber o que gera a violência.

Nesse sentido, acredito que omissão estatal é ainda mais profunda. E se mostra, principalmente, quando não oferece uma educação pública gratuita de qualidade. Educação resolveria 80% dos problemas do país.

Há quem diga que a educação formal não tem o condão de educar cidadãos que não têm uma boa base de educação familiar, mas é claro que não é bem assim. Na escola (de qualidade) a criança aprende a ter respeito pelo colega, pelos funcionários, pelos pais. A noção de respeito e cidadania é essencial para inibição de uma ação violenta. Crianças educadas questionam inclusive condutas inadequadas dos próprios pais.

Mas, além disso, sente-se a ausência do Estado também na carência dos serviços mais essenciais para boa parte da população. A falta de saneamento básico leva as pessoas a viverem num ambiente fétido, sujo, propiciador de doenças. O transporte público precário incentiva a moradia em favelas, pois a proximidade com os empregos aparentemente compensa sua falta de estrutura básica.

Não há creches para mães e pais trabalhadores deixarem suas crianças. Quem dirá então, opções públicas de lazer.

Nesse ambiente apertado, degradado, confuso e sem oportunidade de uma educação digna acredito que as pessoas tendam a atitudes mais primitivas, selvagens, menos civilizadas, e, assim, mais violentas.

A violência começa ali, no seio familiar, em que maridos espancam esposas, pais estupram filhas e vizinhos se agridem fisicamente de forma banal.

A coibição dessa violência, pelo que sabemos, praticamente não existe, pois o Estado como um todo, não atua ali. Falta, além da repressão e punição, uma assistência social consistente e presença institucional firme intervindo nas situações de violência mais “banais”. É preciso que se propicie apoio psicológico para toda família, talvez uma complementação de renda enquanto o agressor estiver afastado ou preso, que vai muito além das atuais bolsas.

Para exemplificar o dito acima, vejamos um acontecido recentemente aqui na cidade: houve uma colisão de trânsito comum entre um automóvel particular e um ônibus. O motorista do carro, um médico, saiu do veículo pacificamente e passou a fotografar os danos materiais. O motorista do ônibus questionou o médico, que respondeu que iria tirar as fotos para ser ressarcido pela empresa do ônibus, que o motorista não precisava se preocupar. O motorista do ônibus, furioso, entrou no ônibus e acelerou passando por cima de tudo e todos. O médico teve ferimentos graves e até onde se sabe, estaria ainda na UTI, enquanto sua esposa grávida teve escoriações no rosto.

Outro exemplo: ao perguntar ao vigilante do escritório onde trabalho como foi um feriado ele disse que foi bom, mas teve um contratempo: no ônibus em que voltava da praia, com os dois filhos, no momento de parada em um ponto, um passageiro sugeriu que o motorista abrisse além da porta dianteira, também a porta lateral, par facilitar a descida, pois muitos passageiros iriam descer naquele ponto. Ao receber a negativa do motorista, o passageiro desceu do ônibus, pegou um côco e arremessou no motorista. Este, por sua vez, foi atrás do passageiro aplicando-lhe socos e pontapés. Vencedor do combate, o motorista retornou ao ônibus, mas foi surpreendido por uma pedrada na cabeça dada pelo inconformado e cambaleante passageiro vencido.

O último exemplo para fechar: aproxima-se o carnaval de Salvador, e mais uma vez seremos bombardeados com cenas de brigas gratuitas entre “foliões” que vão às ruas com o único intuito de bater uns nos outros. Apenas para bater.

Ou seja, essa violência não é produto da miséria ou desespero. Os envolvidos são pessoas empregadas que não querem roubar nada uns dos outros.

Essa violência é mais difícil de diagnosticar e, consequentemente, de coibir. É claro que os agressores bandidos deveriam estar presos, respondendo a processos. Depois que o bandido em abstrato vira um bandido em concreto, não resta outra opção do que a repressão rigorosa e exemplar.

Mas interessa mais atuar nas causas dessa selvageria geral. A impunidade é só uma delas.

O Estado é ausente, omisso, incompetente.

Se o Estado falha nos seus objetivos e se a sociedade criou o Estado para representar seus próprios interesses, o fracasso do Estado é o fracasso de toda a sociedade. Da nossa sociedade.

Eu e você somos um fracasso.

Sds,

Hugo

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