19. Brincando com a ficção I. A Viagem.
Fonte da
foto: http://www.mundodastribos.com/pacotes-de-viagem-para-madri-2012-2013-mais-baratos.html
A um ano da viagem, foi que ela decidiu viajar. Há
meses, desde o término doloroso e desgastante do seu último relacionamento, já
vinha pensando nessa possibilidade, mas, além de ter que viabilizar algumas
condições práticas e objetivas para subsidiar uma decisão tão drástica, faltava
algo essencial: coragem. Como deixar para trás um excelente emprego, que lhe
dava tudo que sonhava para sua carreira: prazer no dia a dia, realização
profissional e uma ótima remuneração? Para largar tudo isso a fim de passar um
ano sabático, viajando pelo mundo em busca de experiências inéditas, não bastava
a recente desilusão amorosa. Era preciso algum tipo de empurrão, além da
ascendente vontade de chutar o balde. E o empurrão veio. Foi a um ano da
viagem. Já tinha um tempo que o emprego excelente vinha se deteriorando aos
poucos: o prazer já não era mais o mesmo, sua posição já não tinha mais para
onde crescer e a remuneração já não representava mais o que significava no
passado. Mas o pior (ou melhor) ainda estaria por vir. Sua empresa foi comprada
por uma multinacional americana e a nova política de gestão, além de enxugar o
quadro, visava cortar algumas lideranças consideradas ultrapassadas para a nova
visão que a empresa queria passar ao mercado. Assim, ela foi colocada para
fora, de um dia para outro, mas com todos os benefícios financeiros de que
tinha direito. Foi assim que as condições práticas, objetivas e psicológicas se
alinharam para o que era uma mera intenção virar realidade: a viagem.
A seis meses da viagem ela decidiu onde seria seu quartel
general: Madri. Afinal, as duas aulas semanais de espanhol durante três anos e
meio teriam finalmente serventia. Comprou livros sobre a história da cidade,
pesquisou pontos culturais interessantes e conseguiu alugar pela internet um
pequeno apartamento muito bem localizado. A grana que tinha guardado somada com
a verba indenizatória da rescisão trabalhista lhe garantia, com folgas, um ano
de aluguel em Madri. A crise recente da Espanha acabava por deixar o custo de
vida um pouco mais barato na cidade também. De Madri, ela pretendia percorrer
grande parte da Europa, voltando aos pontos mais apreciados nas visitas a
passeio e conhecendo lugares menos populares, mas igualmente fascinantes, que
ainda não havia tido experiência de conhecer. Irlanda, Grécia, países do leste
europeu. Desejava também botar um pé na Ásia, através da Rússia e da Turquia. Quem
sabe chegar às Ilhas Maldivas ou conhecer o Egito? O mais instigante da
aventura era deixar de lado um pouco seu lado planejador e metódico. Não, não
se entregaria completamente a uma jornada sem roteiros, mas deixaria se levar
um pouco mais pelo instinto e intuição.
Foi até por isso que só comprou as passagens a três meses
da viagem. Em uma outra condição, como nas outras oportunidades em que viajou
de férias, faria isso com a maior antecedência possível. Mas a época escolhida e
a folga nas finanças – e o próprio sentido da nova caminhada – permitiam a
aquisição das passagens mais em cima da hora. É verdade que talvez houvesse uma
hesitação inconsciente para efetivação de uma atitude definitiva para tornar
possível o que, há meses atrás, era uma mera divagação. Mas se sentia segura de
sua decisão e ansiosa para que o dia de embarque, finalmente chegasse. Ia partir
em busca do inesperado, do inédito, de algo nunca vivido. A três meses da
viagem, tudo estava pronto e saindo muito bem!
A um mês da viagem ela conheceu ele. E não viajou.
Sds,
Hugo
PS:
Ao projetar o próximo
ano
Tentando cumprir
o que se prometeu
Toda vez que
fazemos um plano
Dizem que contamos
uma piada pra Deus
Rotas e rumos precisamente
traçados
Bússola, mapa,
GPS à mão
Mesmo ao esperar
o inesperado
Algo não
esperado surge na contramão
Milagres, tragédias,
um dia ordinário
Não temos
controle nem da próxima hora
É interessante
pensar o itinerário
Mas nada é mais preciso
que o agora
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